Pular para o conteúdo principal

Revisitando: Kanye West - My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010)

 

Kanye West. O homem. A lenda. Louco ou gênio? Provavelmente ambos. No auge do seu egocentrismo e da sua maluquice surge "My Beautiful Dark Twisted Fantasy", o álbum favorito da Pitchfork na década passada, o queridinho da crítica, o álbum que em seu lançamento recebeu tantos 10 que tornar-se-ia redundante citar todas as publicações que deram. Por outro lado, ele é tão amado pelos fãs que figura entre os álbuns mais populares e amados de rap da década passada, além de ter tido uma estranha influência na música indie (não é incomum encontrar fãs deste tipo de música que gostam apenas do Kanye em matéria de hip-hop). 

Sempre se analisou My Beautiful Dark Twisted Fantasy sob a ótica de um álbum influente e grandiloquente, e, depois de mais de 10 anos de seu lançamento, poucos críticos se meteram a analisar o álbum como manifestação artística individual. Dos críticos que o fizeram lembro-me apenas do Anthony Fantano -- cuja análise do álbum é o seu vídeo mais infame em 12 anos de canal -- e, surpreendentemente, Zeca Camargo (sim, o jornalista do Fantástico), que em sua coluna no site da Globo deu um parecer positivo mas com severas críticas.


De minha parte, confesso que na primeira vez que tomei contato com o álbum eu fui imediatamente enfeitiçado por West. A sonoridade grandiosa, orquestral, a persona... tudo daquele álbum deixa o ouvinte atordoado diante de uma magnaminidade quase monárquica em que Kanye toma o trono do rei poderoso (e odiado) cuja razão do seu existir é fazer um governo rodeado de rococós, amantes, e, acima de tudo, de ter "razão" em todos os escândalos no qual ele se mete (e são muitos!), pois, afinal, ele é o grande monarca de nossa época, uma figura divina, ele pode tudo; tem o crédito para errar.

Os problemas do álbum começaram a ficar evidentes depois de uma segunda ouvida mais atenta. Já na primeira faixa -- pessoalmente a minha favorita junto com Runaway e Power -- é possível ler versos tão bizarros quanto esses:

Yeah, yeah, yeah, yeah
I fantasized 'bout this back in Chicago
Mercy, mercy me, that Murciélago
That's me the first year that I blow
How you say broke in Spanish? Mi no hablo

 

Entendeu o que esses versos dizem? Pois é, eu também não até pesquisar. Kanye começa o seu maior álbum, que definiu a sua discografia e trabalho, com versos totalmente aleatórios sobre o seu desejo de ter um carro de luxo e o seu péssimo espanhol. 

Nos mais de 60 minutos de álbum dá para pescar centenas de uso de figuras de linguagem de maneira besta, versos que quando não são simplesmente idiotas são nojentos ou até ofensivos, referências a fofoquinhas de tabloides de quinta... a lista de estupidez presente no álbum é infinita, o que fala mais do autor do que qualquer coisa. É muito aparente que o Kanye não estava batendo bem, e isto não ajudou o álbum a ser bom. Pelo contrário, fizeram com que muita das boas ideias fossem ofuscadas.

Alguns dos momentos mais geniais do Kanye também estão presentes, no entanto. Os primeiros versos de Power falam por si:

I'm living in that 21st century, doing something mean to it
Do it better than anybody you ever seen do it
Screams from the haters got a nice ring to it
I guess every superhero need his theme music

 
Apesar do óbvio egocentrismo, o conjunto de fatores como o sample da música 21th Century Schzoid Man do King Crimson, o tom épico e a performance vocal do Kanye entregam um poderoso discurso de superação e desejo de transcender o próprio estilo, nesta faixa. (West disse que pensou em artistas como Davinci para fazer essa música; claro, não se compara, mas o desejo de chegar sempre no ponto mais alto tem de ser admirado em qualquer artista.)

Até a faixa All of the Lights (cujo o intelúdio é uma das melhores partes do álbum), não se tem do que falar de muito mal sobre My Beautiful Dark Twisted Fantasy. A combinação de hip-hop e rock (muito bem representada na guitarra de Gorgeous), as orquestrações e alguns bons versos carregam o que há de ruim no álbum. Não é perfeito, mas não é irrazoável, devido às suas proporções épicas, dizer que é o melhor álbum da década até aqui. O problema começa depois disso.

Monster e So Appalled são duas faixas com problemas semelhantes (e igualmente graves) de colocar um monte de features, o que, a não ser que você seja o Wu-Tung Clan, geralmente não dá certo. Infelizmente, esta não é uma exceção à regra; as duas faixas perdem muito em poder instrumental e as letras são absolutamente ridículas, trazendo o que é, na minha opinião, a pior participação que eu ouvi em um álbum -- a de Nicky Minaj em Monster -- que, a despeito do péssimo trabalho solo, tinha feito um bom trabalho vocal na primeira faixa (Dark Fantasy). Ainda assim, So Appalled, apesar de ter muitas features, ainda tem alguns bons versos; Monster é irredimível, apesar da outro ser muito boa.

Devil in a New Dress não é ruim. A produção é muito boa, e, apesar dos vocais de fundo serem muito irritantes, o baixo e o bumbo são ótimos; bem como o piano e o solo de guitarra no meio da faixa. A letra mostra um Kanye mais vulnerável, mas a vulgaridade que o tema foi tratado não ajudam a canção, tornando-a mais um problema no contexto do álbum do que uma faixa que redimiria as duas anteriores. A feature do Rick Ross também prejudica a introspecção da faixa, sendo a sua presença mais um ponto negativo do que positivo.

A redenção que não veio em Devil in a New Dress veio em Runaway. A faixa mais longa do álbum apresenta uma mistura da personalidade orgulhosa do Kanye com a vulgaridade até aqui já costumeiras, combinando tudo isto com um minimalismo instrumental e refrões pop que grudam e conquistam o ouvinte facilmente. A música é tão poderosa e contagiante, servindo até como se fosse um resumo do último ano conturbado do Kanye que geraram este álbum, o fato de ele não reconhecer os seus erros (o refrão é como "e daí se eu sou babaca? Vamos brindar os imbecis!) e, no fim, serve como uma imagem de tudo o que este álbum representa. Não a toa, é muito fácil perdoar os erros pessoais do West e as faixas ruins depois desta bela peça que ele nos brinda. Deve ter sido por isso que, apesar de tudo, a maioria dos jornalistas que cobriram este álbum na época de lançamento acabaram dando nota máxima ao álbum.

Runaway poderia ter sido facilmente a faixa que finalizaria My Beautiful Dark Twisted Fantasy sem maculá-lo como o polêmico álbum no qual ele é reconhecido até hoje. No entanto, Kanye optou por mais três faixas: Hell of a Life, Blame Game e Lost in the World (esta última dividida em duas partes). Hell of a Life é péssima; o instrumental industrial não salva o refrão que sampleia a música Paranoid do Black Sabbath, que é tão galhofa que cria um efeito de humor involuntário, e os versos fazendo referências sexuais com religiosos que fazem voto de castidade não consegue ser nada além de nojentos.

Blame Game é como uma faixa de remorso pela vida de extrema luxúria exposta em Hell of a Life. É muito bonita, lembra um pouco 808's (álbum anterior da discografia), tem uma ótima feature do John Legend, um violino bastante fácil de gostar, um baixo bastante pouco expressivo e um ritmo que serve apenas para acompanhar a melosidade. Ela funciona bem, apesar de que o modo que o Kanye escreve cria uma desconexão entre o instrumental e o conteúdo lírico -- que neste caso não prejudica a faixa, só é muito estranho. O que estraga a faixa é a outro, uma esquete do Chris Rock muito sem graça que quebra o clima e que eu pulo toda vez que ouço o álbum. Simplesmente uma péssima escolha artística que prejudica uma faixa que de outro modo poderia ter sido perfeita.

Lost in the World é uma faixa muito boa, apesar de ser um potencial desperdiçado. A faixa soa dramática e rápida ao mesmo tempo, os versos são ótimos mas não soa tão bem quanto um fechamento como Runaway; além disso, a ótima poesia "Who Will Survive in America" não encaixa bem no contexto do álbum. Se fosse a música fosse extendida e melhor trabalhada, poderia ter sido facilmente a melhor do álbum; uma mensagem importante em meio a um álbum fortemente telúrico.*

Apesar de tudo, re-ouvir My Beautiful Dark Twisted Fantasy me faz entender porquê esse álbum é endeusado; apesar de que, também, revelou-me que isto é algo errado e uma análise bastante rasa daquilo que ele representa, bem como um péssimo aproximamento para um crítico, que fere, aliás, um dos princípios que nosso grande Machado de Assis expôs num texto chamado "O Ideal do Crítico":

Não compreendo o crítico sem consciência. A ciência e a consciência, eis as duas condições principais para quem exerce a crítica. A crítica útil e verdadeira será aquela que, em vez de modelar as suas sentenças por um interesse, quer seja o interesse do ódio, quer o da adulação ou da simpatia, procure reproduzir (...) os juízos de sua consciência. Ela deve ser sincera, sob pena de ser nula. (...) O crítico não deve curar de inviolabilidades literárias, nem de cegas adorações”.
Fonte: https://contraimpugnantes.blogspot.com/2012/12/premio-jabuti-2012-rodrigo-gurgel-uma.html
acessado 01/10/21; 13:26

Longe de adorar ou odiar West, My Beautiful Dark Twisted Fantasy apresenta faixas marcantes junto com outras péssima, e, por mais impressionante que uma parte dele seja, não pode ser reconhecido como o melhor álbum da década por isso. No entanto, no geral, apesar de ficar mais do lado dos críticos que dizem que este álbum é superestimado, ainda há de se reconhecer algumas façanhas aqui apresentadas.

No fim, meu parecer é positivo para o álbum. Não positivo quanto a maioria de fãs e críticos, mas positivo. O meu maior problema com o álbum foi o seu legado. Não digo de fãs alucinados, isto é o de menos. O que me incomoda é essa ideia que ele trouxe, por meio de sua aceitação universal, que um álbum tem de ser sobre a vida de um artista; trazer minuncias pessoais, picuinhas etc, o que, por causa do seu sucesso incontestável influenciou outros músicos a seguir neste péssimo caminho. Isto não faz o álbum ser ruim, mas não gosto de sua influência -- que não usei, aliás, para julgar o álbum -- e o "drama de tabloides" -- que é o que mais prejudica na obra do Kanye e de outros astros do hip-hop recentemente -- é uma das coisas que prejudicou as letras deste álbum.

Melhores faixas: Power e Runaway
Pior faixa: Hell of a Life

Nota: 6.8/10 - Bom.

*Se você quer saber como Lost in the World poderia ser bem melhor, ouça esta versão de fã:







Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Resenha: Porcupine Tree - Signify (1996)

      Quando se fala dos álbuns de Steven Wilson lembra-se logo ou dos trabalhos extremamente psicodélicos que alçaram sucesso na época do fim do Pink Floyd , ao exemplo de The Sky Move Sideaways; ou, por outro lado, lembra-se de sua fase que flertava ora com um pop moderno à Coldplay , cheio de minuncias sonoras e músicas excessivamente bem construídas, ou pelo seu quase oposto dialético, o metal quase que wagneriano de álbuns como In Absentia, que a banda fizera com tamanho perfeccionismo que é capaz de mais lembrar um álbum de pop do que um álbum de heavy metal .    Signify se apresenta como um álbum que fica no limbo estético entre todas as fases da banda, ficando num estranho mix entre algo que é psicodélico sem ser surreal; pesado sem as distorções clássicas; sintético com uso recorrente dos instrumentos duma banda de rock comum; e, sobretudo, progressivo que soa mais alternativo do que qualquer outra coisa.    Dizendo isto pode soar como uma b...