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Resenha: Machado de Assis - O Alienista (1882)

 The madman is not the man who has lost his reason. The madman is the man who has lost everything except his reason. The madman's explanation of a thing is always complete, and often in a purely rational sense satisfactory.
-G.K. Chesterton

Machado de Assis. Tudo o que eu predicar sobre este nome é agora absolutamente redundante, tendo em vista que Machado é, sem duvida alguma, o escritor brasileiro mais conhecido e estudado de toda a história de nossa breve literatura.

Nascido no século XIX -- o século que o Brasil começou a ser uma nação à parte de Portugal -- Joaquim Maria Machado de Assis foi o fundador da Academia Brasileira de Letras e um prolífico contista, novelista, romancista, poeta, ensaísta e tudo o mais.

Escreveu, sobretudo, em duas escolas literárias: romantismo e realismo. O Alienista é, de maneira evidente, realista; no entanto, pela brevidade do livro, há uma polêmica se esta obra seria uma novela ou um romance. Sem querer tomar parte desta aparente estéril discussão literária, esta resenha tomará O Alienista como uma novela, pois assim ela é definida pela maioria dos seus comentadores.

O Alienista é a obra de Machado mais fácil de se digerir e a recomendação certa para qualquer novo leitor de sua obra. Curta, direta e um tanto caricata, esta obra conta a história do Dr. Bacamarte, um homem douto e de ciência inquestionável que, justamente por isso, abre uma casa para tratar os doidos -- a "Casa Verde" -- na qual, de início, de fato cuidava-se de pessoas que não estavam com a sua condição mental plena; no entanto, depois de um tempo, Dr. Bacamarte muda a sua teoria psicológica. Começa a colocar todos que tinham os menores desvios de caráter ou manias estranhas na casa, tratando qualquer um que não fizesse tudo de modo a ser justificado pela razão como louco.

Dr. Bacamarte é a caricatura do cientificismo; sobretudo, o cientificismo positivista que, durante o século que O Alienista fora escrito, era como se fosse um tipo de religião de estado do brasileiro 'culto e de ciência' como o próprio Dr. Bacamarte.

Para se combater as superstições, era necessário que se caísse toda a Filosofia, moral e tradição de um povo. Era necessário uma transmutação. "Abaixo o mundo todo!" era o que o revolucionário francês gritava; o positivista, por outro lado, discordava. O que ele queria é que tudo aquilo que era razoável para a sociedade -- desde a monarquia até as instituições intermediárias -- se mantivesse, mas segundo às suas ideias. Era uma transmutação, mas uma transmutação pouco brusca. Uma transmutação leve e imperceptível.

O problema que todo cientificista ou positivista chega, no entanto, é que as suas ideias são tudo menos imutáveis e exatas.

O Alienista é um livro sobre como a ordem social ditada por uma suposta ciência exata não pode subsistir. As pessoas não são perfeitas. É impossível se fazer uma sociedade de pessoas sem nenhum tipo de defeito intelectual, moral ou manias estranhas e improdutivas. A barreira que o Dr. Bacamarte quer ultrapassar é da própria natureza decadente do homem, cujos efeitos serão sentidos e não podem, de maneira alguma, serem consertados plenamente.

O Dr. Bacamarte, infelizmente, chega a esta conclusão tarde demais, e de maneira imperfeita. Depois de prender quase toda a cidade na Casa Verde, ele tem a realização que a perfeição mental não pode ser alcançada... ou quase isto. Ele, como bom positivista que é, decide mudar de ideia... agora, o vício é o normal do homem.

E no meio de tristes e falhas conclusões científicas a história do Dr. chega ao fim. Ele conclui que é o próprio louco -- provavelmente a única coisa que intuíra de maneira certa -- e prende a si na Casa Verde -- pois, ao menos, era um homem que ia até o fim com as suas ideias, independente das consequências, e era honesto intelectualmente, o que, infelizmente, não parece ter sido muito bom ao se defender ideias erradas, mas, certamente, uma virtude admirável.

A mensagem de Machado em tempos de Richard Dawkins não pode ser esquecida: não se define a ética pela ciência empírica!

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